Eu dançava como uma louca! Naquele botequim de beira de estrada, perdido no meio de um território poeirento que lembrava os seus anteriores donos a cada passo – os índios -, eu abanava-me sem pudor, como se não houvesse um amanhã. A jukebox vomitava Madonna e o ritmo, juntamente com o sol quente que entrava pelas janelas sujas às golfadas e os olhares babados dos homens rudes que se sentavam ao balcão a beber whisky, faziam-me sentir um formigueiro pelo corpo, como se só agora eu estivesse a despertar... como se, só agora, a vida começasse a fazer sentido.
As fichas estavam a cair, uma a uma, no seu lugar. Os movimento arrojados que eu ensaiava no topo das minhas botas de saltos altos eram uma espécie de dança da libertação, como um dia ali se dançou a dança da chuva...
No fim da canção eu estava exausta. E ria. Ria involuntariamente. Subitamente consciente, obriguei-me a reprimir as emoções que surgiam aos borbotões. Eu queria continuar a rir. Pela primeira vez na vida, eu sabia que ninguém me podia fazer mal. Eu estava no controlo. Sabia de onde vinha e para onde ia. Sabia que a minha vida tinha recomeçado e estava nas minhas mãos. Voltei a rir com a força dessa certeza.
Os quilómetros que deixámos para trás, as estradas poeirentas, o vento nos cabelos enquanto berrávamos para a paisagem empoleiradas no bancos do descapotável, as canções arrastadas e enrouquecidas ao pôr do sol, as noites ao som da guitarra e embaladas pelos risos de conversas irrepetíveis... Resultaram. Esse enorme somatório de momentos insignificantes tinham-me devolvido a minha vida. Estava nas minhas mãos! O meu coração transbordava de alegria e o meu rosto de confiança.
Dirigi-me ao balcão. Fiz questão de, como nos filmes, deixar bem visível o decote enquanto me inclinava, insinuante, sobre o balcão a pedir um shot de tequilla para celebrar. Celebrar o quê?! A vida, pois então!
A Xana já tinha visto o suficiente. Ela, a louca, era agora a que me chamava à atenção e sugeria que saíssemos dali.
Bebi o shot de um gole. Paguei, tirando o dinheiro do meu mini bolso da minha mini-saia de ganga e atirando as moedas para o balcão. O bartender pareceu ridículo, não sei se pela sofreguidão com que procurava agarrar o dinheiro, se pela sofreguidão com que tentava agarrar o meu corpo com o olhar. Voltei a rir com vontade, enquanto a Xana insistia que “tínhamos de ir”, embora nenhuma de nós soubesse bem aonde...
Decidi fazer-lhe a vontade. Desfilei até à jukebox, onde tinha deixado o meu chapéu de cowgirl. Pu-lo na cabeça com um ar estudado de menina má. E voltei a atravessar o bar bamboleante. Antes de cruzar a porta da rua com a Xana atrás de mim, larguei um “Tenham um bom dia, rapazes!” gozão.
Era o momento ideal. Era o momento perfeito para o tempo parar. E ele parou quando os nossos olhos se encontraram, por segundos, anquanto nos cruzávamos. Foi difícil desviar o olhar... Não sei quem o fez primeiro, porque o sol da tarde me cegou quando transpus a porta e deixei de te ver enquanto entravas na sombra do interior do bar. Mas foi o momento perfeito para o tempo parar.
Não ouvi a histeria da Xana até já estarmos de novo na estrada. Ela descrevia-te, deslumbrada, mas eu não a ouvia. Estava dormente. Distante. Ainda enterrada no teu olhar.
Foi o momento perfeito par o tempo parar. Eu estava no meu melhor. Tinha-me encontrado... E tinha-te encontrado.
Naquela tarde o tempo parou... A estrada à minha frente mostrava o caminho a percorrer. O teu olhar, todas as promessasque eu nunca tinha ousado parar para ouvir. Mais um momento insignificante no somatório de momentos insignificantes daquela viagem que fez a minha vida deixar de parecer insignificante.
Mais um momento... o momento em que o tempo parou... O momento que eu vou guardar para sempre. O momento que eu sei que vou recordar no exacto segundo do meu último suspiro. O momento perfeito... para o tempo parar...
(Esta história foi lida no programa da Antena 1 "História devida", de dia 7 de Junho de 2006. Escrevi-a com base na necessidade de uma mulher se sentir bem, completa, fantástica, sexy, feliz consigo mesma e de como o momento perfeito para conhecer "aquela pessoa" é DEPOIS de isso acontecer ...e não PARA que isso aconteça... Espero que gostem.)